sábado, 9 de fevereiro de 2008

Ficção I


Aquelas ruas tortas estavam escuras. Becos, castelos e portões contorcidos. Talvez como num filme noir desses de primeira classe. Ar sombrio nas esquinas, candelabros iluminando a pequena praça, olhos que se perdiam na multidão. Era uma noite normal de outono. Ela vestia roupas pretas e botas de veludo. Tinha bastante álcool nas veias misturados com tranqüilizantes e afins. Sentia-se solitária como toda mulher se sente em qualquer idade, país ou circunstância.

Esbanjava sorrisos falsos. Eu a observava. Tinha jeito de menina e falava com ar de sabedoria. O cachecol enrolado no pescoço escondia sua vontade. Estava com um amigo e parecia procurar mais alguém. Seu sorriso era encantador e constante, e chamava atenção à tatuagem que carregava em volta do braço. Encontrara mais algumas pessoas e dirigiu-se para um bar. Comecei a segui-la e podia sentir o cheiro dos seus cabelos com o vento.

Era uma mulher diferente das que andavam por ali. Queria sexo barato como todas, mas tinha classe. Bebia um bom whisky de uma garrafa dessas que nunca ninguém tinha visto e fingia se divertir com todas as bobagens quase mal ditas pela bebedeira. O careca que estava na porta, também a observava, gostaria que ela fosse embora e ele pudesse dormir mais cedo. Ela tirou um cigarro e disse que queria dançar. Imaginei o corpo pequeno dela balançando em meio aquelas luzes ofuscantes. Ela saiu. Não pude me conter. Continuei seguindo-a pelas ruas.

Agora vestia um casaco preto e talvez pudéssemos dizer que estava muito confortável como andava. Por ora, estava perdida. Cambaleava de um bar para o outro a procura de um novo copo. Algo que a sustentasse por mais aquela noite. Achou um bar e mais outro e mais outro.

Já dançava, então, como se o mundo fosse acabar por esses dias. Era gostoso ver os movimentos que fazia muitas vezes sem sentido e forma. Um homem a olhava. Era um cara notável e parecia conhecer o ambiente. Tinha os cabelos lisos e a pele mais escura que a dela (claro, ela era branca demais). Usava uma camisa de botão azul e uma calça jeans.Também fazia um ar de mistério por trás daqueles óculos escuros. Reconheceram-se pela fumaça que flutuava . Tristes almas que vagavam sozinhas pelas noites. Conversaram. Enchiam-se de sorrisos que não cabiam naquelas faces embriagadas. Saíram para fumar e quase como se eu não pudesse ver, se beijaram. Era um beijo de dor. Tormento e alívio. Eram errantes e loucos e divertiam-se com a própria inocência, aquela que não existia mais fazia décadas.

Já eram quase seis da manhã quando eles foram embora juntos. Pela praça caminhavam pessoas distintas e os mesmo candelabros continuavam lá, só que agora iluminados pelo sol. Andavam de mãos dadas como se conhecessem de longa data. Ela secava o corpo dele. Os seus olhos brilhavam de desejo. Ele tinha um sorriso intrigante, sabia que aquela noite seria diferente. Entraram num hotel bacana no centro da cidade e por algumas horas esperei para reencontrar-los. De nada adiantou.

Acordei às duas da tarde, me sentia sozinha. Olhei para as roupas que tinha usado. Elas eram parecidas com as da moça da outra noite. Me olhei no espelho e vi a tatuagem. A cabeça e as pernas doíam. Não achei que fosse possível.

Ficção ou realidade? Às vezes, sentimentos que se confundem.

Voltei para cama aliviada, não havia ninguém. Pensei que apesar de ter sido um sonho, aquele homem me fascinara de um modo estranho. Sorri de lado, peguei um cigarro e o papel rabiscado.

E hoje já não existe mais dúvida.

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